segunda-feira, 11 de janeiro de 2010

UM ESCRITOR, UM LIVRO

UM ESCRITOR, UM LIVRO

Em literatura há escritores que escrevem livros e há livros que escrevem os seus escritores.
O escritor italiano Dino Buzzati (1906 – 1972), nascido em Pellegrino, iniciou o seu trabalho de escrita como jornalista no Corriere della Sera.
Durante a Segunda Grande Guerra é enviado para a Etiópia como correspondente do jornal, o que lhe vai favorecer a concepção e a escrita da sua primeira obra literária, “O Deserto dos Tártaros” que é publicado em 1940.
O epicentro do romance bélico desenrola-se numa fortaleza que se ergue no meio do deserto que faz fronteira com o reino dos Tártaros. A narrativa do romance desenrola-se sob os efeitos psicológicos que se vão criando e adensando como consequência do sequestro da imobilidade do tempo que se arrasta até a um confronto final.
“Pareceu-lhe que a fuga do tempo se tinha detido, como se um encanto se tivesse quebrado. O vórtice dos últimos tempos tornara-se cada vez mais intenso, e agora, subitamente, nada; o mundo estagnara numa inércia horizontal e os relógios avançavam inutilmente. A estrada de Drogo chegara ao fim; ei-lo agora na margem solitária de um mar cinzento e uniforme, e à sua volta nem uma casa nem uma árvore nem um homem, tudo assim desde tempos imemoriais”.
O romance valeu ao escritor reconhecimento internacional e uma adaptação teatral do escritor francês Albert Camus (1913 – 1960).
É um romance para se ir mastigando com a mesma lentidão com que a fome do tempo o engole.
O romance foi publicado pela Cavalo de Ferro.


Jorge Brasil Mesquita


UM ESCRITOR, UM LIVRO – II

Porquê Aldous Huxley? Por ter escrito “O Admirável Mundo Novo” e correr por aí que se prepara uma adaptação ao cinema? Por ter escrito o ensaio “Doors of Perception”, de cujo título o grupo de Jim Morrison extraiu o seu nome Doors? Não! Por ser um romancista pensador, cuja visão sagaz e implacável do mundo do tempo em que vivia, se encontram nos seus romances pela via da ironia, da truculência e da imperturbável lucidez com que analisava os mais prementes problemas dos seus dias.
Aldous Huxley ( 1894 – 1963 ) nasceu em Goldalming, Inglaterra. Estudou na Escola de Eton, onde lhe surgiram problemas de visão, formou-se na Universidade de Oxford, onde se tornou amigo do filósofo Bertrand Russel e do escritor D. H. Lawrence. Em 1937, mudou-se para Los Angeles, EUA e em 1938 tornou-se num dos mais importantes roteiristas de Hollywood.
Entre os muitos romances que escreveu, encontra-se o livro “Geração Perdida”, escrito em 1923. O romance aborda o extremo negativismo que se vivia em Inglaterra na pós Primeira Grande Guerra e onde circulam personagens que se interessam por tudo como uma forma de não se envolverem em nada. Huxley usa a linguagem do desprezo e da raiva por todos quantos se mostravam vazios de ideais, mas que se aplicavam numa frenética fúria de viver. Sem se deixar absorver pelas farsas da sociedade que o rodeava, preconizou com coragem a extirpação dos não valores.
“Lancing expunha às visitas todos os segredos. À sua palavra abria-se um vasto mundo incrível e fantástico. Havia trópicos, havia mares frios cheios de seres vivos, florestas povoadas de árvores medonhas e de silêncio e treva. Havia fermentos e venenos infinitésimos que flutuavam no ar. Havia Leviatãs amamentando os filhotes, havia moscas e vermes, havia homens que viviam em cidades, pensavam, conheciam o bem e o mal. Estavam todos vivos. Homens e mulheres deixavam de ser eles próprios ou lutavam por continuar a sê-lo. Morriam ou lutavam para viver”.
“Geração Perdida”, um livro que, talvez, não esteja muito longe da nossa actualidade.

Jorge Brasil Mesquita


UM ESCRITOR, UM LIVRO III

Pode-se amar um livro que se esgota com palavras em sentenças de sentidos que angustiam e deprimem o leitor? Há vidas de uma vida que são ciclos de respirações que pontuam, envelhecimentos ou amadurecimentos, ao longo dos túneis que nos descobrem a descoberta de quem se foi, é ou será. Estas foram as sensações que perpassaram por mim, ao ler o livro “Nada” da escritora espanhola Cármen Laforet.
Cármen Laforet nasceu na cidade catalã de Barcelona, em 1921. Dos dois aos 18 anos viveu em Las Palmas, Canárias. No final da Guerra Civil Espanhola, em 1939, regressou a Barcelona com o intuito de estudar Filosofia e Letras. Em 1944, Cármen que já vivia em Madrid inicia o romance que viria a ser publicado em 1945, vencendo com ele, o prémio Nadal.
O romance gira à volta da jovem Andrea que se aloja em casa de familiares, em Barcelona, com o objectivo de prosseguir os seus estudos, família pobre e meia enlouquecida com os anos cruéis da ocupação franquista. Segundo o escritor Mário Vargas LLosa, “Carmen Laforet relata com uma prosa entre exaltada e glacial, onde o que se cala é mais importante do que aquilo que se diz.”
“Estas visões assustadoras perseguiram-me naquele fim de Verão com uma monótona crueldade. Nos fins de tarde sufocantes, nas noites longuíssimas, carregadas de lânguido pesar, o meu coração aterrado recebia as imagens que a minha razão não era suficiente para desterrar.
Para afugentar os fantasmas, eu saía muito para a rua. Corria pela cidade debilitando-me inutilmente. Ia com o meu vestido preto, encolhido pela tinta e que cada vez me ficava mais largo. Corria instintivamente com o pudor do meu atavio demasiado miserável, fugindo dos bairros luxuosos e bem cuidados da cidade. Conheci os subúrbios com a sua coisa de mal-acabada e poeirenta. As ruas velhas atraíam-me mais.”
Cármen Laforet viria a falecer em 28 de Fevereiro de 2004, com 82 anos e na cidade de Madrid.

Jorge Brasil Mesquita


UM ESCRITOR, UM LIVRO – IV

De que nos serve a natureza, quando a natureza humana não a sabe respeitar, ao entrar em confronto com ela? Porém, há confrontos onde prevalece o respeito mútuo, em que este se pode transformar num acto poético de beleza salgada, quando o mar é disso testemunha.
O escritor Ernest Hemingway nasceu, em 21 de Julho de 1899, em Ilinóis, EUA. Exerceu a actividade de jornalista e correspondente de guerra, tendo participado na Primeira Grande Guerra (1914 – 1918), onde foi gravemente ferido na frente italiana, em 1918. Fixou residência em Paris, entre 1921 e 1928, aproveitando a estadia para conhecer grande parte da Europa Ocidental e do Leste. Participa, igualmente, na Guerra Civil de Espanha, ao lado dos Republicanos, entre 1936 e 1939 e na Segunda Grande Guerra, entre 1939 e 1945. Recebe os prémios Pulitzer, em 1953 e o prémio Nobel, em 1954.
Em 1952, o escritor escreve uma das suas mais belas obras “O Velho e o Mar.”
O escritor português Jorge de Sena (1919 – 1978), escreveu no prefácio da tradução que fez do “O Velho e o Mar” que se está perante “um poema em prosa, uma epopeia de simples trama singularmente narrada. Um breviário nobilíssimo da dignidade humana escrita com a mais requintada das artes. Poucas vezes, no nosso tempo, terá sido concebida e realizada uma obra tão pura, em que a natureza e a humanidade sejam, frente a frente, tão verdade.”
Matar sem consciência o que é do domínio da natureza, será o mesmo do que ter consciência de que se matou, sabendo a razão porque se o fez, respeitando quem se mata? A natureza como uma metáfora.
“Não mataste o peixe só para viver e vendê-lo para ser comido. Mataste-o por amor-próprio e porque és um pescador. Amáva-lo quando estava vivo, e ama-lo depois de morto. Se o amas não é pecado matá-lo. Ou será mais?
- Tu pensas demais, velhote – disse em voz alta.
“Mas gozaste com a morte do dentudo, pensou. Vive de peixe como tu. Não é dos que andam aos restos, nem um apetite ambulante como alguns tubarões são. É belo e nobre e não conhece o medo…Pescar mata-me, exactamente, como me mantém vivo…Não devo iludir-me mais.”
Com imensas obras publicadas, Hemingway suicidou-se com um tiro de caçadeira, em Julho de 1961, aos 62 anos, na sua propriedade de Sun Valley, Idaho, EUA, ao tomar conhecimento de que tinha um cancro.

Jorge Brasil Mesquita


UM ESCRITOR, UM LIVRO – V

Será um escritor um redactor de palavras que nos reinventa em passagens que todos reconhecemos nos filtros do tempo ou será um bálsamo que nos denuncia o cume das profundezas humanas, onde há existências que desconhecem as vidas que vivem?
O escritor mexicano Juan Rulfo (1918 – 1986), escreveu em 1959 a obra “Pedro Páramo”, cujo enredo se desenrola numa pequena aldeia do interior do México, onde os habitantes que a habitam, sobrevivem à morte aparente dos seus destinos, entre as portas que escondem o real ou o fantástico.
“Entreabre os olhos. Vê através dos cabelos uma sombra no tecto com a cabeça em cima do seu rosto. E em frente a figura embaçada, por detrás da chama das suas pestanas. Uma luz difusa, uma luz no lugar do coração, em forma de coração pequeno que palpita como chama pestanejante. – Está a morrer de pena o teu coração – pensa – já sei que vens dizer-me que Florêncio morreu, mas isso já eu sei. Não te aflijas com os outros, não te preocupes comigo. Eu tenho guardada a minha dor num lugar seguro. Não deixes que se apague o coração.”
Carlos Fuentes, outro grande escritor mexicano, afirmou que “a arte de Juan Rulfo exprime-se tão profundamente através da transfiguração mítica das suas personagens que esta acaba por incorporar a temática do campo e da revolução mexicana num contexto universal.”
“Pedro Páramo” não deixa de ser um cenário minimalista da globalização humana.

Oeiras – 07/10/2009 – Jorge Brasil Mesquita


UM ESCRITOR, UM LIVRO – VI

É comum afirmar-se, entre os críticos literários, que os livros policiais correspondem a um género de literatura menor. Felizmente, que eu sou susceptível a qualquer tipo de literatura, desde que o livro que leia, seja um prazer de subtilezas, de clarins de sentimentos, muitas vezes desencontrados, ou um rumor de florescências que desembocam em prazeres de vários idiomas.
É o caso do livro e do escritor que, hoje, escolhi, como exemplo de uma riqueza esfusiante.
O escritor Jim Thompson (1906 – 1976), exerceu durante a sua vida os ofícios de empregado de hotel, de actor, de escritor de espectáculos cómicos, de especialista em explosivos, de jogador profissional de jogos de azar e de colaborador de vários jornais. Foi argumentista dos filmes “Um Roubo no Hipódromo” e “Paths of Glory” de Stanley Kubrick. Participou com pequeno papel numa nova versão de “Farewell My Lady” de Dick Richards, baseado no policial de Raymond Chandler, com o mesmo título.
Foram adaptados ao cinema os seus livros “Getaway” de Sam Peckimpah e “Pop 1280” de Bertrandt Tavernier.
“Pop 1280” de Thompson é o livro escolhido de hoje. O enredo tem como epicentro Nick Corey que passa por ser um xerife psicopata que vive numa aldeia com 1280 almas, onde a corrupção o cerca por todos os lados. Ao decidir limpar tudo, provocou consequências terríveis. Este é um mundo sem Deus, povoado por pessoas para quem o homicídio não é mais do que um biscate ocasional.
“ Eu já tinha estado naquela casa algumas cem vezes; naquela e noutras do mesmo tipo, mas era a primeira vez que as via tal como eram. Não eram casas nem espaços para as pessoas viverem, nem nada, apenas paredes em pinho a cercarem o vazio. Não havia fotografias, nem livros, nada para onde olhar ou reflectir. Apenas o vazio que começava a impregnar-me aqui, por todo o lado, em todas as casas como esta. De repente este vazio ficou preenchido com som e imagem em todas as coisas tristes e terríveis que esse vazio tinha trazido às pessoas.”
Este livro é um belo exemplo do romance de humor negro americano.
Penso que é importante, explicar que, da minha parte, estas escolhas se baseiam em gostos pessoais de leituras feitas. É claro, que elas se sustentam em críticas que foram, igualmente, lidas, mas nunca deixarão de ser escolhas pessoalíssimas.

Oeiras, 16/10/2009 – Jorge Brasil Mesquita

UM ESCRITOR, UM LIVRO – VII

O que acontece a um homem ao descobrir, que, ainda, não descobriu qual é o seu verdadeiro caminho no Mundo que nunca o descobriu? De quanto tempo precisará ele para fugir de si próprio, até compreender que o ponto de encontro é o mesmo que o lugar do desencontro? Eis o valor do tempo no percurso de uma viagem sem preço.
Este preâmbulo relaciona-se com o escritor e o livro que serão a razão deste amontoado de palavras.
O escritor inglês William Somerset Maugham nasceu em Paris, em 1874 e faleceu em Saint-Jean-Cap-Ferrat, em 1965. O escritor fez os seus estudos na King´s School, em Canterbury, Inglaterra, na universidade alemã ocidental de Heidelberg e exerceu medicina no hospital de St. Thomas, tornando-se pela vida fora num viajante inveterado.
A sua primeira obra, “Liza, a Pecadora” foi escrita em 1897 e um dos seus mais famosos livros “A Servidão Humana”, em 1915. Somerset Maugham possuía um “talento de narrador e paisagista, o sentido penetrante da caracterização psicológica e a arte incomparável da dramatização.” Todos estes ingredientes de escrita se encontram no livro “O Fio da Navalha” de 1944. Para esboçar o conteúdo do livro, que melhor pena, senão a do próprio escritor, que escreve na sua introdução: “nunca senti maior apreensão ao começar um romance. E se digo romance é por não saber que outro nome lhe dê. Não tem grande enredo, não acaba com morte ou casamento. Este livro consiste das recordações que tenho de um homem com quem, em épocas muito espaçadas, tive íntimo contacto; mas pouco sei do que lhe aconteceu nos intervalos. Creio que recorrendo à imaginação, poderia preencher plausivelmente as lacunas e tornar mais coerente a minha narrativa, mas a tal não me sinto atraído. Quero unicamente relatar factos de que tenho conhecimento.”
Pelo “O Fio da Navalha” passam muitas das palavras que nos perguntam, respondem ou nos deixam vazios, durante os jogos da vida que vivemos.

Oeiras, 21/10/2009 – Jorge Brasil Mesquita


UM ESCRITOR, UM LIVRO – VIII

Será que a realidade em que todos vivemos, não passa de um absurdo, absorvendo toda a simplicidade planetária que, em rotações sucessivas de 24 horas, nos esconde ou nos revela a pirataria humana, de sendo o que não se é, desperta a vontade de se ser o absurdo que se respira, não respirando nada, para se ser o nada que se é?
O absurdo de “O Estrangeiro” de Albert Camus é a obra crucial de um escritor que se ultrapassou, ultrapassando a vulgaridade, para se encarnar no pedestal da posteridade.
Albert Camus nasceu em Mondovi, na Argélia, em 7 de Novembro de 1913. Frequentou a Universidade de Argel, sendo obrigado, para custear os seus estudos, a exercer as profissões de vendedor de acessórios de automóveis, de empregado de escritório, de meteorologista e de amanuense da Prefeitura. Camus licenciou-se em Filosofia. Devido a doença, abandonou o professorado e dedicou-se ao jornalismo, primeiro em Argélia, no Alger Republicain, depois no Combat, integrado na Resistência Francesa durante a II Grande Guerra. Após a guerra, para além de se dedicar ao Desporto, foi um dos impulsionadores de um grupo de teatro: L´Equipe.
Em 1952, recebe o Prémio Nobel da Literatura e, em 1960, morre num desastre de automóvel.
Camus é um tradutor de percursos humanos que se projectam entre um sol violento, produtor de luz e, paisagens, onde se movem geografias de sombras.
O livro de Camus a que eu, hoje, dou vida é a “Queda” de 1956, que é, praticamente, um monólogo, onde se cruzam a ironia, o sarcasmo e uma variedade de pecadilhos humanos.
“O que é um juiz penitente? Ah! Deixei-o intrigado com esta história. Não ponha nisso malícia alguma, acredite, e posso explicar com mais clareza.
Há alguns anos, eu era advogado em Paris e, palavra, um advogado bastante conhecido, tinha uma especialidade: as causas nobres. Bastava-me, no entanto, farejar num réu o mais leve cheiro a vítima para que as minhas mangas entrassem acção. E que acção! Uma tempestade! Além disso eu era animado por dois sentimentos sinceros: a satisfação de estar do lado bom da barra e um desprezo instintivo pelos juízes, em geral.”
Actualmente, Camus, talvez, passe por ser um escritor de estante, o que será uma ingratidão da parte de quem é um estrangeiro em si mesmo.

Oeiras, 27/10/2009 – Jorge Brasil Mesquita


UM ESCRITOR, UM LIVRO – IX

Há escritores altamente conceituados e há outros que nem por isso. O escritor escolhido é um dos que nem por isso, mas, como já afirmei anteriormente, as escolhas são, acima de tudo, pessoais. Tom Sharpe é um escritor que adoro ler, porque é corrosivo, implacável no cinismo, no sarcasmo e subversivo na forma como arrasa e anarquiza os costumes e outros afins.
Tom Sharpe nasceu, em 1928, em Inglaterra, estudou em Cambridge, cumpriu o serviço militar nos Fuzileiros Navais, partiu para a África do Sul, em 1951, onde trabalhou no Departamento de Assuntos Não Europeus e leccionou no Natal. Manteve um estúdio de fotografia em Pietermantzburgo, entre 1957 e 1961, ano em que foi expulso da África do Sul por motivos políticos. De regresso a Inglaterra leccionou História no colégio de Artes e Tecnologia de Cambridge.
Aconselho os leitores que se queiram iniciar com a escrita de Sharpe, que leiam, primeiro, o livro “Wilt” que os porá ao corrente do estilo de enredos que são habituais em Sharpe.
O livro escolhido intitula-se “Vícios Ancestrais”, cujo tema gira à volta de um tal Lorde Petrefact, último abencerragem de uma dinastia de capitalistas corruptos que decide encomendar a um conceituado académico de esquerda, o Professor Yapp, a história da sua família.
“Walden Yapp viajou até Fawcett em carro alugado. Quando ia a qualquer sítio geralmente ia de comboio, mas a Fawcett House não ficava perto de nenhuma estação de comboio e a consulta de Doris, o computador, tinha apenas confirmado que não havia autocarro, nem nenhuma outra forma de transporte público que ele pudesse usar para chegar até lá. E Yapp recusava-se a possuir carro próprio em parte, porque acreditava que o Estado é que devia possuir tudo, em parte por causa das ideias conservadoras que Lorde Petrefact tão bem tinha diagnosticado, mas acima de tudo, porque Doris tinha chamado a atenção para o facto das 12 a 75 libras necessárias para manter o carro podiam comprar comida e medicamentos suficientes para manter vivas 24 crianças do Bangladesh. Por outro lado ela rebatia este argumento demonstrando que se comprasse um carro estava a dar emprego a cinco trabalhadores britânicos da indústria automóvel, a dois alemães, a um meio japonês, conforme a marca que escolhesse. Depois de uma luta com a sua consciência sobre se devia permitir que cinco trabalhadores britânicos fossem desempregados, Yapp decidira-se por não ter carro nenhum e doar o dinheiro poupado à Oxfam com a triste conclusão de que era mais possível manter dois administradores sentados à secretária do que alimentar os que morrem à fome noutro sítio qualquer.”
Eu sei que os gostos se discutem e este meu é, provavelmente, altamente discutível, mas o humor não é um reconhecimento uniforme entre os que o apreciam, por isso o leitor que se atrever a lê-lo, decidirá, por si, se valerá a pena ou não, a leitura.

Oeiras, 07/11/2009 – Jorge Brasil Mesquita


Moinho das Antas, 10/01/2010 - Jorge Brasil Mesquita

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